Do YouTube ao cinema: um bate papo exclusivo com Lucas Maia
Em uma entrevista especial, Lucas Maia fala sobre os 10 anos do Refúgio Cult, sua trajetória no YouTube e como construiu o universo de O Supremo Mafaroto. Ele também compartilha os desafios e aprendizados em seus projetos no cinema, como Ela Toma Placebo e Amado Pai, além de destacar seu trabalho como vocalista da banda Anttilope.

by Amanda Castro

Criador do canal Refúgio Cult, o jornalista goiano fala sobre sua trajetória no YouTube, projetos audiovisuais, estreia literária e a redescoberta da música.
Aos 34 anos, morador de Brasília, o jornalista Lucas Maia consolidou-se como uma das vozes mais atentas do cenário digital quando o assunto é cinema, especialmente os gêneros de terror e drama. Criador do canal Refúgio Cult, que já se aproxima de 1,5 milhão de inscritos e com mais de dez anos em atividade, Lucas expandiu sua atuação para a literatura e o cinema, além de se aventurar novamente na música com a banda de heavy metal Anttilope. Em entrevista exclusiva, ele compartilhou sua trajetória, reflexões sobre o audiovisual e sonhos para o futuro
A origem do Refúgio Cult
Formado em jornalismo em 2013, Lucas conta que seu envolvimento com o cinema começou bem antes da graduação. “Desde 2009 eu já tinha blogs sobre filmes de terror e cultura pop, comentava sobre lançamentos de Star Wars, Batman, Marvel”, relembra. A primeira experiência foi com o site colaborativo Máquina das Artes, que durou pouco mais de um ano.
Mas foi no YouTube, que ele encontrou o espaço ideal. “Eu queria um lugar mais íntimo para falar sobre os filmes que gostava, principalmente de terror, que tinham pouca cobertura na época. O canal nasceu desse desejo de criar conteúdo para além da roda de amigos, jogar para o mundo e ver a repercussão”, explica. Assim, em 2015 surgiu o Refúgio Cult.
Da timidez à naturalidade diante das câmeras
Quase dez anos depois, Lucas enxerga uma trajetória de amadurecimento. “No início eu era mais travado, preso ao roteiro. Hoje, apesar de ainda preparar tópicos, consigo gravar de maneira mais livre, mais próxima de quem eu sou de verdade”, afirma. Para ele, a evolução veio ao equilibrar informação e descontração: “Consigo ser menos pretensioso, mais informal e, ao mesmo tempo, analítico. Essa naturalidade prende mais do que um formato engessado”.
Terror e drama em foco no Refúgio Cult
Embora aprecie outros gêneros, Lucas não esconde sua predileção por terror e drama, que considera gêneros mais provocadores. “Nos últimos 15 anos, o terror tem abrigado debates sobre saúde mental e problemas sociais, sem abandonar o impacto narrativo. Jordan Peele e Robert Eggers são diretores que admiro nesse aspecto”, comenta.
Os documentários também ocupam um espaço especial em seu repertório, sobretudo aqueles que abordam temas tabus e questões sociais. Ele cita The Bridge (2006), sobre os suicídios na ponte Golden Gate, como um exemplo de obra que o marcou profundamente. “Assisti recentemente e fiquei dias refletindo. Esse tipo de filme ilumina temas urgentes, como saúde mental, e continua ecoando muito depois da sessão. É isso que me atrai: obras que fazem pensar.”
O fenômeno dos “icebergs”
Um dos formatos mais populares do Refúgio Cult são os icebergs de filmes, vídeos que organizam obras em camadas de estranheza, bizarrices ou obscuridades. A tendência surgiu em 2021, quando Lucas reagiu a conteúdos semelhantes de criadores estrangeiros. “O primeiro vídeo teve quase um milhão de visualizações. Depois comecei a montar meus próprios icebergs, com filmes que já tinha visto, divididos em camadas. Hoje sigo explorando o formato, sempre com alertas de gatilho para os conteúdos mais pesados.”
Apesar do tom curioso e até lúdico, Lucas é enfático: não se trata de recomendar todos os filmes. “Alguns são apenas registro de crimes, não obras cinematográficas. O objetivo é mapear, não incentivar — um mapeamento da curiosidade mórbida que esses filmes despertam.”
Limites temáticos e impacto pessoal
Ao longo da carreira, ele estabeleceu certos limites. “Evito falar com frequência de pedofilia ou maus-tratos a animais. São temas pesados que mexem comigo e tornam o processo de pesquisa muito desgastante”, admite. Ainda assim, há documentários que marcaram sua trajetória. Entre eles, Dear Zachary, sobre a morte de um jovem e as consequências devastadoras para sua família. “É uma história muito forte. Fiquei dias pensando nela.”
Filmes que moldaram o olhar
Ao ser provocado a citar três filmes preferidos, Lucas não hesita: A Bruxa (2015), O Bebê de Rosemary (1968) e Oldboy (2003). “São obras que combinam impacto psicológico, construção narrativa e originalidade estética. Cada uma, a seu modo, influenciou muito minha visão de cinema”, afirma.
Cinema nacional: preconceito e potência
Quando o tema é o cinema brasileiro, Lucas reconhece o desafio. “A palavra-chave é preconceito. Muita gente torce o nariz para o nacional sem conhecer de fato. Se falo de um filme japonês ou europeu, o vídeo performa melhor do que se falo de uma produção brasileira. É um estigma que ainda persiste”, aponta.
Para ele, a chave está na diversidade. “Temos orçamentos menores, mas uma riqueza imensa de histórias e diretores talentosos. Bacurau (2019), de Kleber Mendonça Filho, abriu portas, mas há muito mais: Juliana Rojas (As Boas Maneiras), Anna Muylaert (Que Horas Ela Volta?), Dennison Ramalho (Morto Não Fala) e, claro, o legado incontornável de Zé do Caixão, que influenciou o terror mundial. É preciso olhar para trás, conhecer mais e valorizar o que temos.”
Ela Toma Placebo: um projeto autoral
Lucas agora também investe em projetos autorais no audiovisual. Um deles é o curta “Ela Toma Placebo”, co-dirigido com Gabriel Vinícius, fruto de financiamento coletivo. A trama mistura drama e terror psicológico ao abordar a deterioração da saúde mental de uma mãe em situação de vulnerabilidade e os efeitos disso na vida de seu filho.
“Era uma história que eu já tinha na cabeça, inspirada tanto em experiências familiares quanto na minha própria vivência com ansiedade. Decidimos contar em curta porque seria mais maduro e viável. É um filme de cerca de 20 a 24 minutos, que deve circular em festivais ainda este ano”, revela.
Loading...
Sobre a possibilidade de expandir a narrativa para longa ou série, Lucas é cauteloso: “Chegamos a cogitar, mas um longa exige muito mais tempo, recursos e maturidade. Neste momento, preferimos manter a força da história em curta-metragem e abrir portas para projetos futuros”.
Amado Pai: experiência nos bastidores
No cinema, Lucas também viveu os desafios da produção independente ao assumir o papel de produtor-executivo no longa Amado Pai, de Léo Miguel.
“Fizemos mágica. Arrecadamos cerca de R$ 30 mil via financiamento coletivo, mas o ideal seria R$ 80 mil. Foi um aprendizado intenso sobre os bastidores do cinema. O filme já passou por festivais no Brasil e no exterior, mas seguimos batalhando pela distribuição, seja em salas de cinema ou em streaming.”
Loading...
O Supremo Mafaroto: estreia literária
Na literatura, Lucas estreou em 2023 com o livro O Supremo Mafaroto (Editora Fora do Ar), fruto de quase uma década de elaboração. A obra mistura ficção científica e fantasia em um planeta colonizado por humanos mil anos após a evacuação da Terra, com influências de O Senhor dos Anéis, Star Wars, Duna e até Dragon Ball.
“É uma mescla de medievalismo com ficção científica, com tecnologia feita de sucata e uma estética steampunk. Quis criar algo que refletisse tanto minhas leituras quanto a cultura pop que me formou”, explica.
A sequência já tem nome: O Profano Mafaroto, prevista para 2026 ou 2027, mas adiada para dar lugar a outro projeto, um livro de terror ambientado no Brasil, com lançamento previsto para 2025. “É uma história mais brutal e sombria, sobre o desaparecimento de crianças em uma cidade fictícia de Minas Gerais. Quero levar para a literatura a mesma força que o terror tem no cinema.”
Para Lucas, a literatura é também o espaço de maior liberdade criativa. “No livro, não há limites de orçamento, só de imaginação. Posso criar mundos sem gastar nada além do meu tempo.” O maior desafio, porém, foi concluir O Supremo Mafaroto: “Foram nove anos entre bloqueios e revisões. Hoje criei uma rotina mais madura de escrita para evitar esse desgaste.”
Anttilope: o metal em português
Vocalista desde os 15 anos, Lucas retomou recentemente a música com a banda Anttilope, que estreou com o single Escravize o Rei. “Sempre gostei de cantar, já tive bandas em Goiânia e Brasília, mas agora consegui fazer isso com mais maturidade. Escolhemos cantar em português porque queremos falar diretamente com nosso público”, explica.
O projeto já tem novas músicas em produção e deve resultar em um álbum até 2026. “Queremos lançar singles ao longo dos próximos anos e depois reunir em um disco de cerca de dez faixas. É um hobby, mas levado a sério.”
Loading...
O peso da expectativa e a resposta do público
Ao falar sobre críticas, Lucas é direto: “Todo mundo tem ego. No início, os comentários negativos me abalavam mais. Hoje, lido melhor: valorizo quem acompanha, quem se identifica, e filtro o que é apenas ódio gratuito. Não dá para agradar a todos — e está tudo bem.”
Para ele, a maturidade trouxe a compreensão de que o equilíbrio é essencial. “Faço o que acredito e o que gosto. Claro que busco qualidade, mas sem perfeccionismo paralisante. Se está bom o suficiente, eu lanço. Prefiro focar em quem encontra sentido no meu trabalho.”
Conselhos para criadores
A quem deseja começar, o recado é simples: “Faça. Não espere estar perfeito, não se sabote com a ideia de que ninguém vai gostar. Se for algo que você ama, vale a pena. Com o tempo, você amadurece, se organiza melhor, e aquilo pode até virar profissão. Mas precisa nascer do prazer e não da obrigação.”
Próximos passos e sonhos pessoais
Entre os planos de curto prazo estão lançar o livro de terror entre 2025 e 2026, concluir novas músicas com a Anttilope para formar um álbum e acompanhar o percurso de Ela Toma Placebo em festivais. No campo pessoal, Lucas também revela um desejo antigo: “Quero muito viajar para o Japão. Gosto da cultura, da comida, e sonho em ter essa experiência em breve.”